Quaresma
Não me recordo de ter participado em toda minha vida de
uma Missa de Cinzas, cedinho após estes dias de folia.
Mas aconteceu este ano pela primeira vez. Fiquei preso
aqui no Porto das Dunas, seja por comodismo, seja por não me arriscar com
resquícios de lúpulo e cevada da noite anterior. Foi uma folia familiar, sem
exageros. Talvez por isso que tenha ido na 4ª feira de cinzas à Capelinha de
São Francisco aqui ao lado do estacionamento do Beach Park. Por sinal, uma
igreja que retrata o paradoxo social da comunidade local. Igreja singela,
frequentantes nem tanto. O puro retrato da simplicidade sanfranciscana, com
piso em cerâmica simples, paredes em pintura à base d’água, telhado aparente
com ninhos de pardais decorando seus caibros e ripas. Estes são os reais
inquilinos da capela que tem a proteção de seu dono, São Francisco. Por este
motivo, torna-se um templo tão especial.
Hoje a capela encontra-se em reforma, não por se buscar
mais pompa, mas tão somente por melhorar a segurança do telhado que já não
suporta mais uma chuvinha por completo. A Capela de São Francisco pede ajuda à
comunidade de Aquiraz e também aos moradores de finais de semana do Porto das Dunas
para que a reforma se conclua o mais rápido possível e tenha a simplicidade e
funcionalidade condizente com os dogmas sanfranciscanos.
Mas, voltando ao cerne do assunto (by the way), a Quaresma é o tempo litúrgico de conversão, que a
Igreja marca para nos preparar para a Páscoa. É tempo para meditarmos, prometer
minimizar nossas falhas e buscar sermos melhores e mais solidários e, assim,
sentirmo-nos mais próximos a Jesus.
Lembrei-me até do Padre Luís, meu professor de Português,
Ciências Biológicas e de Puericultura. Já pensou? Até isso o currículo do
Colégio Militar previa a seus alunos de primeiro grau. Era meu professor Padre
Luís que sempre nos dizia: Vamos rezar e não prometer que nunca mais vamos
pecar. Digam somente isto a Jesus; - “Jesus, prometo diminuir meus
pecados!” Nunca me esqueci disso e
também como gostava desse refrão: “ Prometo diminuir meus pecados”.
A Quaresma dura 40 dias, começando na Quarta-feira de
Cinzas e terminando no Domingo de Ramos. Neste caminho, tentamos estilizamo-nos
como filhos de Deus, distanciando-nos das coisas materiais. Mas como conciliar
estes duas coisas tão divergentes? Se temos que pagar o IPVA, o IPTU,
matrículas das escolas, compras do final de ano no cartão de crédito e tudo
mais? Infelizmente não podemos cortar este link
com o viés material, mas podemos filtrar a ambição e dar lugar à serenidade do
cumprimento de nosso trabalho, sem desmedidas concorrências em detrimento da
estabilidade do próximo, do colega de trabalho, do concorrente do mercado.
A cor litúrgica deste tempo é o roxo, que significa luto
e penitência. É um tempo de reflexão, de penitência, de conversão espiritual;
tempo e preparação para o mistério pascal.
Na Quaresma, Cristo nos convida a mudar de vida. A Igreja
nos convida a viver a Quaresma como um caminho a Jesus Cristo, escutando a
Palavra de Deus, orando, compartilhando com o próximo e praticando boas obras.
Por isso, a Quaresma é o tempo do perdão e da
reconciliação fraterna. Cada dia, durante a vida, devemos retirar de nossos corações o ódio, o rancor, a inveja, os zelos
que se opõem a nosso amor a Deus e aos irmãos. Na Quaresma, aprendemos a
conhecer e apreciar a Cruz de Jesus. Com isto aprendemos também a tomar nossa
cruz com alegria para alcançar a glória da ressurreição.
A duração da Quaresma está baseada no símbolo do número
quarenta na Bíblia. Nesta, é falada dos quarenta dias do dilúvio, dos quarenta
anos de peregrinação do povo judeu pelo deserto, dos quarenta dias e Moisés e
de Elias na montanha, dos quarenta dias que Jesus passou no deserto antes de
começar sua vida pública, dos 400 anos que durou o exílio dos judeus no Egito. Na
Bíblia, o número quatro simboliza o universo material, seguido de zeros
significa o tempo de nossa vida na terra, seguido de provações e dificuldades.
No início deste texto, lembrei-me dos comentários do
padre sobre nossa penitência e nosso jejum, alertando-nos que não se precisa
aparecer, dizer que foi à missa de Cinzas, dizer que está rezando, dizer que é
bembomzinho para todos. Temos que sê-lo somente para Jesus e não mais para
ninguém. Pois, como diz meu amigo carequinha William Citó: Só quem é
Bembomzinho é Jesus.
Pensei em abster-me d'algo que para mim fosse algum
sacrifício nestes 40 dias: deixar de tomar um chopp, deixar de apreciar um bom
vinho à noitinha, deixar de comer um BigMac ou uma coca bem geladinha. Coisas
desse tipo. Mas, grande coisa! Não é preferível fazer uma caridade a alguém que
necessite a jejuar como faziam os fariseus e a se penitenciar gastronomicamente?
Senti-me um fariseu dizendo que fui à missa de 4ª feira
de Cinzas, mas não foi nesse intuito minha mensagem, foi exatamente para
alertar a melhoria de nossa alma para conosco e para com o próximo, sem
hipocrisias deste ínterim religioso.
Mas, apesar de todas as boas qualidades, um fariseu continua
sendo um fariseu, ou seja, um homem com má reputação. Por quê? Além da
característica mais marcante de um fariseu, que Jesus mencionou muitas vezes –
a hipocrisia –, ainda havia outra coisa que era própria de um fariseu: sua grande
erudição, seu enorme conhecimento. Não que isso seja algo ruim. E devemos
salientar tranqüilamente que os fariseus de fato eram letrados – homens muito
cultos e exímios conhecedores das Escrituras. É dito, por exemplo, de Gamaliel,
um dos maiores fariseus daquele tempo e mestre do jovem Saulo de Tarso: "Mas, levantando-se no
Sinédrio um fariseu, chamado Gamaliel, mestre da Lei, acatado por todo o
povo..." . Segundo
tradições judaicas, esse Gamaliel até era chamado de "o esplendor da
Lei". Mas era justamente isso que fazia com que os fariseus se tornassem
fariseus. Pois, ao invés dessa enorme erudição conduzi-los à verdade, grande
parte deles seguia por um caminho totalmente errado. Tanto é que Paulo, o maior
fariseu de todos os tempos, reconheceu esse fato, pois escreveu aos coríntios: "O saber ensoberbece, mas o
amor edifica". Os
fariseus realmente tinham grande conhecimento, mas justamente por isso se
tornaram hipócritas e cheios de si, pois lhes faltava o amor ao próximo.
Continuemos então nossas vidas, pois depois da Quaresma, vem
novamente a Páscoa, o Sábado de Aleluia, o Apedrejamento de Judas pelos nossos
queridos rincões interioranos, vem as
Festas Juninas, a Festa de Nossa Senhora do Perpétuo do Socorro de minha
Reriutaba e, aí o ano desce rapidamente a ladeira no rumo do Natal e do Reveillon e, tudo começa novamente.
E aí vem meu dileto escritor Mário Quintana com a verdade que
lembramos a cada ciclo e que plagiei sem o significado maléfico da palavra.
“Quando menos se espera
já é meio-dia, já é dezembro e janeiro novamente e então já se foi grande parte
de nossas vidas. Vivamos hoje”
(Luiz
Lopes Filho, plagiando sadiamente Seiscentos e Sessenta e Seis de Mário
Quintana) que ora hachuro acima com admiração e respeito a este mineiro poeta.
Seiscentos e Sessenta e Seis
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos…
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio,
seguia sempre, sempre em frente...
eu nem olhava o relógio,
seguia sempre, sempre em frente...
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das
horas.
Luiz Lopes
Filho
Aquiraz, 17
de fevereiro de 2013
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