Nesta
semana, já chegando no trevo em Santa Quitéria a caminho de Reriutaba, meu pai lembrou-se
de seu cumpadre. Sempre o mesmo refrão quando percorremos esta rodovia:
- O Cumpade Antônio Mororó me dizia que
asfalto entre Santa Quitéria e Reriutaba só depois dele morrer. E agora taí,
asfalto bom, menos de uma hora de viagem. Naquele tempo de Jeep nestas
carroçais e ainda mais com as pedras do Trapiá, levávamos mais de 3 horas e
ainda com prejuízo da descarga quebrada nas pontas de lajedo.
- Puxa, pai...toda vez a
mesma história, falava-lhe sorrindo.
- O Cumpade Antônio Mororó
guardava às vezes as mercadorias do Curicaca na sua oficina por favor ao velho
mascate e ficava com medo da procedência das mesmas, apesar do Curicaca dizer
que era da viúva.
- Pai, quando foi que o
Curicaca morreu?
- Ah, acho que já faz mais
de dez anos. Estava na calçada da farmácia do Assis e já caíu morto. Era um
sujeito honesto, apesar da fama de vendedor esperto de bugingangas e tudo mais.
- Morte súbita? Coração?
AVC?
- Acho que sim.
O
João Carlos Pilão contava umas do velho Curicaca. Dizia que uma vez foi pego na
Praça da Lagoinha em Fortaleza com umas mercadorias sem nota e a guarda
municipal o deteve. Mas, com sua esperteza e facilidade em fazer amigos, o
velho Curica conhecia um capitão que logo o acudiu.
Após solto, permitiram-lhe
levar suas mercadorias apreendidas que não eram tantas.
- Pode dizer quais são suas
coisas! Disse-lhe o guarda de plantão ao devolver o material apreendido.
- O Curicaca logo apontou:
isto, isso, aquilo, aquilo acolá e tudo mais. Voltou a Reriutaba com o dobro do
estoque.
Uma
vez meu pai havia comprado uns chocalhos em Fortaleza para vender em seu
comércio. Arrependeu-se, porque achava difícil revender aquele tipo de coisa.
Lembrou-se logo do Curicaca para repassar pelo mesmo preço.
O Curicaca ofereceu logo na
primeira esquina na mercearia do Seu Demazim ao que lhe retrucou:
- Onde foi que tu arrumou
isso, nego sem-vergonha?
- Foi da viúva, é mercadoria limpa! No mesmo dia, meu pai recuperou o dinheiro
empregado nos chocalhos e deu o lucro ao ambulante famoso da cidade.
Naquela
época havia cerca de dez engraxates na cidade. O Curicaca era um deles, quando
não se dispunha de quinquilharias para vender pelas ruas da cidade.
Certa vez, o
Curicaca se viu preocupado com o trabalho honesto. O Rubian era seu concunhado
e tinha uma pequena fábrica de bolsas, malas e afins na capital. Confiou ao Curicaca a
revenda de muitos produtos pela zona norte, principalmente Reriutaba. Numa
semana revendeu tudo, deixando alguns produtos de sobra na oficina do seu Toim
Mororó.
- Lulu, agora não posso
tirar meu "sonim" na calçada da estação. Fico preocupado de alguém meter a mão no
meu bolso e levar o apurado! Acabou-se minha tranquilidade! Vou deixar de
vender muita coisa e ter muito dinheiro comigo! Prefiro vender as coisinhas da
viúva.
Assim
era nosso ambulante Curicaca que cheguei a conhecê-lo muito bem na década de 80
e sempre dizia quando uma coisa não era lá tão certa: “Meritri di Trorion!” (corrijam-me
se o termo era realmente este)
E
foi em homenagem ao esperto vendedor que nosso saudoso Toim do Filemón, nosso
Mestre Piru compôs a marchinha de carnaval reriutabense:
“A
nossa irmandade não tem crente de verdade; ninguém mais quer ser ovelha, todo
mundo só que ter carneiro para brincar na sua raça agora em fevereiro. Primeiro
o Curicaca, segundo o Venceslau. Quero ver o pastor e a patota pulando o
carnaval......E o Curica, Merichide Trorion..!!!! Na
realidade a composição era bem mais rica, pois não mais a recordo.
Como
não tenho uma foto do folclórico e saudoso Curicaca, resolvi postar a foto da
ave que lhe deu nome: A curicaca é uma ciconiforme da família
Threskiornithidae. Seu nome é onomatopeico, semelhante ao som de seu canto,
composto de gritos fortes. Conhecida também como despertador no Pantanal,
carucaca, curicaca-comum e curicaca-branca.
Homenagem ao engraxate Curicaca que sempre foi simpático com a criançada da época.
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