Escavadeira
Hoje, conversando com o
amigo Lucídio Leitão, lembramos de um de seus episódios que bem retrata como
distanciamo-nos da atenção ao próximo.
Quando um amigo, um
necessitado ou alguém próximo aproxima-se de nós buscando ajuda, já nos vem à
mente que o dinheiro, a ajuda material vai resolver aquele difícil momento.
Relevamos pois o conforto
espiritual, a boa conversa, a visita tão esperada e fraterna.
O texto abaixo bem
emoldura este sentimento que carregamos no dia-a-dia: a apologia ao material em
detrimento do espiritual ou da boa ação intangível e desprovida de cifrão.
Segue pois seu texto:
Durante os dois últimos
dias, tenho pensado muito num grande amigo de minha família, no caso o Sr.
Vladimir, conhecido no meio das vaquejadas como Escavadeira, devido a sua força
e compleição física.
O Escavadeira em muito nos
marcou, especialmente a mim, por conta do seu permanente apoio ao meu filho
Tiago, quando de suas participações em diversas vaquejadas pelo Brasil afora. O
nosso querido Vladimir sempre se mostrou um fiel escudeiro do Tiago. Nas
corridas de bois foi seu esteireiro de primeira hora. Meu filho, ao seu lado
ganhou muitos prêmios, a exemplo do segundo lugar na vaquejada de Campina
Grande/Pb, Parque Ivandro da Cunha Lima, no ano de 2004, embora nessa ocasião
lhe tenham tirado o primeiro lugar de maneira sem lisura, levando o Vladimir a
enfrentar tudo e a todos para reformar essa situação, o que, lamentavelmente,
não aconteceu. Esta é uma outra história que oportunamente poderei contar-lhes
um dia.
Foto n° 01 – Campina
Grande/PB – Ano 2009.
Saber da sua presença ao
lado do “Mago Véi” (Tiago), quando eu
ficava impedido de estar presente nas vaquejadas, transmitia-me tranquilidade,
já que ele sempre mostrou-se dedicado e servidor ao Tiago, correndo os bois do meu
Filho de maneira "ligado total", com
interesse, com empenho, com determinação de vencer. Fato ocorrido em diversas
ocasiões.
Além dessa dedicação do
Escavadeira quando das carreiras do Tiago, ele procurava orientá-lo para o
caminho do bem, da retidão, da decência, do servir. Chegava a orientar o Tiago
no sentido de que ele se empenhasse em suas atividades universitárias e laborais,
àquela época, e ainda que ele nas vaquejadas não se excedesse na bebida e nos
forrós, evitando assim o seu esgotamento físico, o que poderia comprometer o
seu desempenho como um campeão e afetar a sua imagem como homem de bem, que ele
é.
Foto n° 02 – Campeão
Campeonato Paraibano – Ano 2008 (Parque Cowboy, João Pessoa/PB).
Assim, dentro desse clima
de camaradagem por muitos anos convivemos com o Escavadeira.
No inicio do ano de 2006,
talvez em meados de março para abril, percebi a ausência do Vladimir ao lado do
Tiago, ou melhor, a ausência do Escavadeira nas vaquejadas, fato que me levou a
indagar do Tiago sobre esse distanciamento, suspeitando ser o agente motivador
as conversas conduzidas pelo Vladimir com o Tiago no tocante ao seu
comportamento nas vaquejadas.
Pior do que essa suspeição
foi saber que o real motivo da ausência do Vladimir se referia ao seu estado de
saúde, extremamente, fragilizado por ter contraído uma bactéria decorrente de
sua atividade de vaqueiro, ou seja, a maioria das pessoas que correm boi chegam
a treinar sem luva, procurando evitar arrancar o rabo dos bois, que nesta
situação ficam inutilizados para essa prática, mas em consequência provoca
ferimentos na mãos dos praticantes da vaquejada, criando assim, uma porta para
a entrada de enfermidades, fruto do contato da pessoa com o boi através do rabo
do animal, onde ali existe a presença de fezes e outras sujeiras que podem
estar contaminadas por alguma doença.
Frente à situação, e por
uma questão de gratidão ao meu amigo Escavadeira, que tanto carinho e atenção
dedicou, tem dedicado, a todos nós e, de maneira especial ao Tiago, decidi me
inteirar melhor do seu estado se saúde, no intuito de contribuir para o seu
pronto restabelecimento, contando com o apoio da Vera e do meu cunhado, Dr.
Málbio, profissionais dessa área.
Informado pelo Tiago,
fiquei sabendo que o Vladimir estava internado no Hospital Baptista, sediado na
Av. Padre Antônio Tomás , próximo à Av Virgílio Távora. Decidi visitá-lo na manhã
seguinte, e cedo, como costumeiramente eu acordo, estava na porta do Hospital.
Devia ser no máximo 6:30h. Ele se encontrava no primeiro andar. Subi as escadas
devagarzinho, quase que querendo adiar o nosso encontro, com receio de
encontrar o meu Amigo em um estado deplorável. Essa situação se confirmou.
Ao entrar no quarto o
encontrei dormindo, e a sua esposa acordada numa cadeira de balanço a pastorá-lo.
Ao vê-lo não acreditei se tratar do meu querido Escavadeira. O Homem encontrava-se
irreconhecível. A sua esposa de imediato me recepcionou demonstrando enorme
satisfação em me ver.
Começamos a conversar
baixinho, quase que sussurrando para não acordá-lo, já que ela tinha falado que
ele havia passado à noite em claro e só naquela hora foi que tinha conseguido
dormir.
Já perto de ir embora, o
meu Amigo acordou e aí, se mostrou feliz pela minha visita. De pronto perguntou
pelo Tiago. Pelo Tiaguinho, como ele sempre, carinhosamente, tem tratado o meu
filho. Falei que ele estava bem, apesar de não mais ter tirado uns prêmios como
acontecia com o seu apoio. Ao fazer essa colocação, ele foi às lágrimas. E eu
também.
Frente a tudo isto e sabedor
de como o Vladimir vivia, fruto dos prêmios em vaquejada e das comissões
batendo esteira para outros vaqueiros, incluso aí o meu Filho, e ainda em
decorrência dos fretes praticados no seu caminhão Ford-Cargo, já bastante
usado, recentemente adquirido por ele, cuja prestação mensal, a preço de hoje
estimo que giraria em torno de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais),
imaginei estar ele passando por uma momentânea dificuldade financeira, já que se
encontrava sem trabalhar há quase dois meses.
Daí, antes de me despedir,
os indaguei de como estava ás condições deles em casa. A esposa logo se
manifestou dizendo que não estava bem. Muito apertado. Tanto em razão da falta
de dinheiro como devido não ter com quem deixar os dois filhos menores. Em
seguida o Escavadeira colocou que, a sua maior preocupação se dava pelo atraso
nas prestações do caminhão. Tinha receio do ex-dono tomá-lo, ou gerar um atrito
entre ambos, já que, naquele momento, três prestações estavam vencidas.
Na hora, de maneira
incontinente, me coloquei à disposição para ajudá-los a sanar essa situação
financeira, e em seguida me aprontei para deixá-los. Ao sair do quarto fiquei
pensando no compromisso assumido e mais rápido do que a decisão em ajudá-los me
veio o arrependimento. Imaginei que não chegaria no meu carro sem que o
telefone tocasse e me fosse solicitado por eles uma quantia em dinheiro.
Cheguei no carro e o
telefone nada. De qualquer forma aquele pensamento de arrependido e a certeza
da ligação telefônica me pedindo socorro financeiro não me abandonavam. Passou
o dia. Chegou à noite. Nenhuma ligação se confirmou. Mais um dia. O
arrependimento em servir continuava, mas a suposta ligação telefônica de
socorro não aconteceu. Outro dia se passou. E
nada!!
Passada uma semana, uns
dez dias, devido à falta do certo pedido de socorro, certo por mim, decidi
voltar ao hospital motivado, principalmente, pelo fato de não entender o que os
levou a não aceitar os meus préstimos colocados quando da minha visita
primeira.
Era uma situação
conflitante. Queria saber da razão da falta do pedido de ajuda e ao mesmo
tempo, visceralmente, preocupado com o possível surgimento do pedido de socorro.
Cheguei no hospital, subi
as escadas de acesso ao primeiro andar e me dirigi ao quarto ocupado pelo meu
amigo Escavadeira. O receio do imaginário pedido de socorro financeiro foi
totalmente ofuscado pela satisfação em vê-lo num estado de franca recuperação.
O Homem estava sorridente.
Seus traços físicos já se assemelhavam ao verdadeiro Escavadeira. Ele mais do
que eu demonstrou alegria em rever-me. Uma felicidade indescritível até hoje.
Ali ressurgia quase que na plenitude o parceiro do Tiago. Fiquei feliz. Ele foi logo me dizendo
que o médico o daria alta ainda naquele dia, ou no mais tardar no dia seguinte.
Depois de muita conversa
falei que precisava ir embora. Nesse momento me voltou o receio do pedido.
Conversamos um pouco mais e essa preocupação não me abandonava.
Fui embora e aliviado me
senti por não terem me solicitado nada. Passaram-se os dias e de
quando em vez nos falamos por telefone. Foram-se os meses e
continuávamos a nos falar apenas por telefone, já que o médico o havia
recomendado se afastar das vaquejadas por um longo período.
Chegou o final do ano.
Primeira quinzena de Dezembro/2006. Vaquejada do Clube do Vaqueiro. Reinauguração
do Clube, adquirido na época pelo Sr. Jonathas Dantas, paraibano de Uiraúna.
Já
naquela ocasião um bem sucedido empresário no Rio de Janeiro/RJ. Uma das
maiores vaquejadas do Brasil. A presença de vaqueiros de vários Estados é
certa. Um prêmio ganho no Clube é tudo que a vaqueirama deseja. É o topo da
pirâmide.
Nessa época estávamos em
festa. O nosso sitio, a Tijuma (TIago,
JUliana e MAriana), homenagem a meus filhos, estava cheio de amigos e
familiares. Todos torcendo pelo Tiago.
Fomos para o Clube do
Vaqueiro assistir o Tiago correr. Arquibancadas cheias. Boiada forte e o Tiago
inspirado. Bateu a senha. Estava apto à disputa. Fui ao delírio. Gritava.
Chorava. Pulava. Jogava meu boné prá cima. Agora era aguardar a disputa e pedir
a DEUS inspiração para o Tiago.
De repente, ao olhar para
a parte de baixo da arquibancada vejo subindo o meu amigo Escavadeira, acompanhado
de sua Esposa e dos dois filhos. Pequeno e Terra quente, como me dirijo a eles
até hoje. Segundo ele, estavam na arquibancada oposta a que nos assentamos.
Abraçamo-nos com afeto e
alegria. Ele disse que ao chegar no Clube ouviu, por meio do sistema de som
ambiente, o nome do Tiago ser chamado para correr ao lado do Renato do Têtê.
Foto
n° 03 – Fase classificatória (Tiago ao lado do Renato) – Ano 2006.
Foto
n° 04 – Disputa final (Tiago montando Caretinha) – Ano 2006.
Falou-me que, logo imaginou
ser ele o parceiro do Tiago naquela corrida. Infelizmente não podia ser. Pediu
a DEUS pelo Tiago. Pela sua proteção e sucesso na corrida.
Em seguida, no meio
daquela multidão existente na arquibancada pediu a atenção de todos e anunciou,
de maneira exagerada, como é típico das pessoas autênticas, que eu havia lhe
salvado a vida, quando ele se encontrava doente. Não entendi nada. Afinal de
contas não o ajudei financeiramente com nada. Com nenhum centavo. Ele nunca me
solicitou qualquer quantia.
Foto
n° 05 – Torcedores do Tiago assistindo as suas carreiras de boi – Ano 2006
Veio o mais grave. Ele
declarou que, devido a minha presença, uma das poucas pessoas a lhe visitar
quando de sua enfermidade, ele teve a certeza que não estava só naquela
empreitada de sobrevivência. Era só do que ele precisava. De amparo. De um
ombro amigo. De uma fala. Da certeza de um parceiro naquela caminhada.
Nessa ocasião senti-me como se tivesse sido atingido por um violento soco. Me senti um fraco. Como fui
me preocupar apenas com o lado material? Com o dinheiro. O meu amigo não estava
precisando disso. No fundo ele precisava era de apoio. De saber que tinha
amigo. Que podia contar com alguém.
Éééééé!!!!!!!!!!!!!!
Imaginamos que as coisas materiais são mais importantes do que as espirituais. Mais
importantes do que as ligadas ao coração. Pensei no conto do Rei Midas.
Ainda hoje carrego essa
culpa.
De qualquer sorte ficou a
lição quanto aos verdadeiros valores da vida e ainda a certeza de que não
devemos fazer qualquer tipo de pré-julgamento, bem como, senti, embora não
tenha sido o Escavadeira o esteireiro do Tiago naquela vaquejada do Clube do
Vaqueiro de 2006, que ele correu, espiritualmente, sempre ao seu lado, razão
pelo qual o meu Filho foi um dos campeões naquele evento tão marcante em minha
vida, tanto pelas declarações do Vladimir como pelo sucesso do Tiago.
Foto
n° 06 - Troféu Grande Campeão conquistado pelo Tiago – Ano 2006.
Diante tudo isso fico a
pensar que, por vezes, agimos como crianças, com relação às pessoas que nos
cercam.
Chegamos ao ponto de até imaginar
que não gostam de nós, que desejam nossa infelicidade, nossa queda.
Embora sendo muito difícil,
é importante não estabelecer pré-julgamentos em nenhuma situação, a exemplo do
que me ocorreu em relação ao Escavadeira, mesmo que os fatos conspirem a favor.
Nem sempre será possível
descobrir os sentimentos dos outros pelas aparências.
Há pessoas que não
conseguem exprimir seus sentimentos e dão impressão de frieza ou indiferença.
Por essa razão é que o
pré-julgamento é altamente prejudicial.
Assim sendo, se for
preciso imaginar os sentimentos dos outros, façamos esforços para imaginar
sempre o melhor.
Fica aqui este meu
registro.
Um forte abraço em
todos(as).
LUCÍDIO LEITÃO.
(Fort. 11/07/2011)
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