Traga uma cerveja
Em
março de 2013 meu pai sofreu um AVC hemorrágico de tronco encefálico. Após
muitas idas e vindas do hospital, muita dúvida sobre seu reestabelecimento,
sequências de remédios, fisioterapia, fonoaudiologia e também muita dedicação
de minha mãe e de minhas irmãs, hoje tem uma vida razoável, oscilante entre um
pouco triste e picos de alegria.
Sua
tristeza é intimamente ligada não somente à sua senilidade já presente, mas
também por ter-se tornado hemiplégico. Em momentos de outrora passeava pelas
calçadas, pelas praças e restaurantes de nossa Reriutaba, conversava com uns
poucos e remanescentes amigos de sua época e era cumprimentado por todos.
Hoje
seu dia é intercalado por remédios, fisioterapia, refeições leves e por
passeios pelos shoppings e praia nos finais de semana. Memória brilhante de
momentos antigos, memória opaca de momentos recentes. Lembra-se com clareza de
nomes, sobrenomes, causos engraçados de sua juventude, mas às vezes esquece o
nome dos filhos. Sabe quem somos, mas dá um repentino branco.
Às
vésperas do último dia 05 de setembro, primeiro dia de um final de semana
prolongado, pensamos em viajar para nossa cidade. Mas, a logística da viagem,
de se arrumar a casa de lá, de se retirar toda poeira, de se arranjar algum
cuidador, enfim, de se buscar um conforto, talvez se transformasse em cansaço,
risco de gripe ou mesmo de stress para meu pai e também para nós.
Enfim...
resolvemos ficar por aqui e intercalar no final de semana um jantar, um almoço
em família ou o passeio pela praia.
No
sábado resolvi almoçar com meus pais. Avisei minha mãe para aprontá-lo.
Coloquei-o no banco da frente e minha mãe sentou-se atrás.
O
restaurante escolhido foi o Picanha do Jonas, ali na rua Tibúrcio Cavalcante,
até porque ficava bem próximo ao apartamento deles. Sempre costumávamos ir ao
Parque Recreio da Rui Barbosa, mas resolvemos inovar.
Estacionei
o carro na vaga especial que, graças a Deus, não havia sido ocupada por um
desses condutores sadios, mas doentes de educação.
Desci
do carro juntamente com minha mãe e fui pegar a cadeira de rodas no bagageiro.
Abri a porta do carona onde se encontrava o papai que permanecia de cinto de
segurança atado para minha tranquilidade.
Neste
ínterim, meu pai destravou o cinto com sua mão esquerda sã e inclinou o corpo
como se pudesse descer sozinho do carro. Não deu outra: caiu de testa na
calçada, assustando-nos.
Corri
ansioso para socorrê-lo, levantei-o e o pus na cadeira de rodas que já se
encontrava montada e ao lado do carro. Notei o lado direito de sua testa com
escoriações e um pequeno sangramento. Fiquei assustado e perguntei-lhe se
sentia tontura, mal-estar.
O
papai dizia que estava bem, mas não acreditávamos, tanto pelo acidente quanto
pelo seu longo histórico de saúde. Adentramos ao restaurante, acomodei-o à mesa
e chamei o garçom. De imediato, trouxe-nos gelo. Logo em seguida, o garçom bem
atencioso nos trouxe uma caixa de primeiros socorros com gaze, algodão, álcool
e um antibacteriano spray, uma
rifocina.
Seu Luiz Lopes, após o tombo
Meu
pai, afastava insistentemente minha mão, dizendo que tudo estava bem. Vendo que
o susto havia passado, o garçom perguntou-lhe:
-
O senhor precisa mais de alguma coisa?
O
papai inclinou sua cabeça na direção do garçom, franziu a testa num sorriso
quase imperceptível, ergueu seu braço são e disse:
-
Traga uma cerveja!!
Foi
o bastante para que ele mesmo, minha mãe e eu caíssemos na gargalhada que foi
acompanhada pelos que estavam nas mesas à nossa volta.
É,
pai! realmente o senhor está bem! E assim foi um ótimo almoço com meus pais
naquele final de semana prolongado.
Luiz
Lopes Filho, 18 de setembro de 2015
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