domingo, 26 de fevereiro de 2012

Atibones



Meu amigo, Atibones


Meu pai gostava de jogar baralho, descompromissadamente!  Duas, três vezes por semana. Ali estavam reunidos na mesa da sala de jantar de minha casa. Toalha sobre uma mesa de revestimento em fórmica de tom marrom rajado, pernas finas de metal, diferenciada para a época, cafona para hoje logicamente. A toalha sobre a mesa era quadriculada de tons encarnados e negros, parecia até mesmo, confeccionada para aquilo.

Morávamos em Reriutaba. Enquanto brincava de bandeira ou jogava bola sobre pontiagudas e ásperas pedras toscas do calçamento de minha rua, os amigos de meu pai jogavam buraco. Sem apostas, sem empenhos, por puro diletantismo. Eis o Seu Sandoval, o Seu Silva, o Seu Salim, o Dr Delfino, a Dó e, quando vinha à Reriutaba visitar a sogra e os amigos, o Atibones.

Quando criança, achava o nome diferenciado, mas realmente esta diferença estava no carinho que sempre demonstrou conosco. Atibones!

Ainda hoje guardo uma foto do carro do Atibones em frente lá de casa. Bege, calotas prateadas, câmbio sob a direção, hodômetro centralizado; enfim um carro diferente para os poucos corcéis e fuscas que desfilavam àquela época em Reriutaba. O carro do Atibones era um Maverick, um Landau, nem me lembro, mas foi onde ensaiei dirigir pela primeira vez como criança. Aquele jovem que me parecia um senhor, tornou-se não somente um amigo de meu pai, mas uma pessoa agradável naquela roda de jogo de buraco.

Passaram-se os anos e me vi em Fortaleza, amigo do Atibones e de sua especial Rosa, senhora contemporânea e tão bonita e agradável quanto minha mãe.

Atibones, após deixar seu legado como auditor na fazenda estadual, como edil na câmara sobralense e no seu afeto pelas coisas do sertão, passou a admirar os filhos de seus amigos.

A partir de dez da manhã, ali estávamos nós a ouvi-lo pelas prosas saudosas de Reriutaba no agradável ambiente do bar do Seu Oliveira, esquina da Rua Padre Anchieta. Atibones, Galeno, Joaquim, Professor Victor, Valmick, Cláudio Taumaturgo e os pandeiristas, capitaneado pelo Bocão que descia da Barra do Ceará até o Montese para cantar “Na Pinguela D`ela” em troco de nossas gargalhadas e da cota recolhida pelos amigos.

Seu Oliveira, homem sábio e seletivo para não comprometer as linhas legais do preconceito, avisava quinze minutos antes: - Dotô, daqui a pouco tenho que fechar! Vocês vão querer mais uma cerveja? E, com o olhar desviado de um freguês que se aproximava ao balcão, dizia: – Oh coisa ruim é pobreza! E, incontinenti, vendia a varejo, trezentos gramas de manteiga a granel num pedaço de papel duro que mais servia para enrolar prego.

E ali estava o Atibones a conosco conversar, a saber notícias do sertão e quem estava bem ou moribundo. Aquilo fazia sem maldade, mas com vontade de participar a todos a dor de alguém. E assim o fazia quando alguém partia. Estava lá na sua solidariedade velando quantos que já partiram.

Guardo boas recordações do Atibones. Pelo seu apreço e amizade a meu pai, pelo respeito que sempre teve a mim e a seus amigos. Prestável, irreverente, mas sincero e honesto.

Foi-se. Mas deixou seu legado de amizade, sinceridade e honestidade.

Hoje acordei e havia realmente sonhado com meu pai em seu comércio conversando e tomando cerveja com Dr Farias, Seu Sandoval e também com o Atibones.

No sonho, logo falei: - Papai, bebendo cerveja em pleno sábado, dez horas da manhã, dia de feira!!!

- Meu filho, foi porque chegaram aqui o Dr Farias e o Atibones.

Assim acordei hoje deste sonho. Nem sabia que o Atibones havia partido. Logo minha mãe me ligou avisando isto.

Enquanto no sonho, o Atibones havia chegado àquela mesa em pleno sábado, em plena feira. Talvez querendo conversar um pouco mais com seus amigos!

Atibones, um abraço de seu amigo, filho de seu amigo Lulu.


Luiz Lopes Filho, 26/02/2012.

2 comentários:

  1. Eh, Luiz Filho, a gente pensa que os pais sao eternos, e quando alguem proximo faz a grande viagem, nos lembra que todos estamos aqui emprestados e que Nosso Pai um dia vai nos chamar.
    Atibones deixa saudades e uma familia bonita para nos ajudarmos.
    Fica com Deus e cuida dos teus pais como se nao houvesse amanha :)

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    1. Ë verdade, Anelise. A cada dia que passo vejo que temos que ser mais próximos da família: dos pais, dos filhos e dos verdadeiros amigos, pois o tempo é aquele misterioso e intangível amigo que a cada dia enriquece nossa alma e aquele inimigo que empobrece nosso corpo. Um abraço, Luiz Filho

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