sábado, 26 de janeiro de 2013

Tio Tonico


Apenas Repassando


Eu não tenho Tio Tonico, nem mais sequer qualquer tio da parte de meu pai.
Conheci quase todos: Tio Assis, meu padrinho a quem lhes alcunhavam como Assis Calixto. Uma pessoa brincalhona, carnavalesca e que herdou o dom farmacêutico de meu avô José Calixto.
Tio Osmundo a princípio conhecido como o senhor da bomba de gasolina, depois como aquele teimoso cardiopata de uma honestidade ímpar e de bom coração.
O Tio Sitônio, inteligente e teimoso, a quem me tinha especial dedicação (trabalhava no IBGE da cidade, mas que também cedo partiu).
O Tio Deusdedit, marido dedicado, filho exemplar, pai que fazia tudo que os filhos queriam, por tão somente ser bom demais, mas que queria mais bem a mim que aos filhos (acho pelo simples motivo de também gostar muito dele).
Tio Marmiro, este conheci já perto de partir e que não teve a alegria de reviver Reriutaba, pois foi-se embora de casa ainda rapazinho e nunca mais retornou  ao lar e;  por fim o Tio Silva, a quem cabia as honras de sempre ajudar aos pais e que longa vida teve em relação aos demais.
Num certo dia fui ao Rio de Janeiro com meus pais para visitá-lo e, qual surpresa: foi embora para o além sem esperar por nós, nada avisando, nada deixando. Viveu, morreu,  saudades não levou nem deixou, da mesma forma que nosso Tio Vicente que também não conheci, mas que era muito querido por meu pai.
Deixo para falar por último de duas tias minhas: a Tia Beatriz que foi um ícone na educação de muitas crianças da cidade, alfabetizando com carinho e dedicação tantos e tantos meninos da minha querida terra e a Tia Julita, a quem muito serviu à minha avó materna Deolinda Lopes em seus cuidados pessoais.

Nem sei o porquê deste prólogo referenciando tantas pessoas do lado familiar de meu pai, talvez porque sempre os vi a serem remediados, a terem preocupação com pressão alta e por conviver com seu pai, o tão pacato, competente e bondoso farmacêutico José Calixto.

Não tive a alegria de conhecer meu avô paterno, tão conhecido como Zé Calixto, aquele que tinha uma farmácia para ajudar a todos, não para lucrar, não para vender fórmulas.

E o motivo deste prólogo é uma antítese às atitudes profissionais de meu avô Zé Calixto, pois hoje ficamos doentes pelo exagero de tantos exames, de tanta farmacologia.

Não quero de forma alguma minimizar o bom trabalho de nossos atuais farmacêuticos e médicos de boa índole e de boa formação técnica, mas exatamente protestar contra a forma exacerbada de alguns médicos e planos de saúde que nos recomendam exames e receituários em demasia para satisfazer à indústria médico-farmacêutica com comissões paralelas em detrimento de nosso bem estar clínico e financeiro.

E aqui vai uma história paradigma de meu hipotético tio Tonico. Estava bem de saúde,até que sua esposa, minha tia Marocas, a pedido de sua filha, minha prima Totinha, disse:
-Tonico, você vai fazer 70 anos, está na hora de fazer um check-up com o médico.
- Para quê, estou me sentindo muito bem!
-Porque a prevenção deve ser feito agora, quando você ainda se sente jovem, disse minha tia.

Então meu tio Tonico foi ver um médico.  O médico, sabiamente, mandou-o fazer testes e análises de tudo o que poderia ser feito e que o plano de saúde cobrisse.

Duas semanas mais tarde, o médico disse que os resultados estavam muito bons, mas tinha algumas coisas que podiam melhorar. 

Então receitou:

Comprimidos Atorvastatina para o colesterol, Losartan para o coração e hipertensão, Metformina para evitar diabetes, Polivitaminas para aumentar as defesas. Norvastatina para a pressão, Desloratadina em alergia.

Como eram muitos medicamentos, tinha que proteger o estômago, então ele indicou Omeprazol e um diurético para os inchaços.

Meu tio Tonico foi à farmácia e gastou boa parte da sua aposentadoria em várias caixas requintadas de cores sortidas.

Nessas alturas, como ele não conseguia se lembrar se os comprimidos verdes para a alergia deviam ser tomadas antes ou depois das cápsulas para o estômago e se devia tomar as amarelas para o coração antes ou depois das refeições, voltou ao médico.  Este lhe deu uma caixinha com várias divisões, mas achou que titio estava tenso e algo contrariado.  Receitou-lhe, então, Alprazolam e Sucedal para dormir.

Naquela tarde, quando ele entrou na farmácia com  as receitas, o farmacêutico e seus funcionários fizeram uma fila dupla para ele passar através do meio, enquanto eles aplaudiam.
Meu tio, em vez de melhorar, foi piorando.

Ele tinha todos os remédios num armário da cozinha e quase já não saia mais de casa, porque passava praticamente todo o dia a tomar as pílulas.

Dias depois, o laboratório fabricante de vários dos remédios que ele usava, deu-lhe um cartão de “Cliente Preferencial”, um termômetro, um frasco estéril para análise de urina e lápis com o logotipo da farmácia.

Meu tio deu azar e pegou um resfriado.  Minha tia Marocas, como de costume, fez ele ir para a cama, mas, desta vez, além do chá com mel, chamou também o médico.

Ele disse que não era nada, mas prescreveu Tapsin para tomar durante o dia e  Sanigrip com Efedrina para tomar à noite. Como estava com uma pequena taquicardia, receitou  Atenolol e um antibiótico, 1 g de Amoxicilina. A cada 12 horas, durante 10 días.  Apareceram fungos e herpes, e ele receitou  Fluconol com Zovirax.

Para piorar a situação, Tio Tonico começou a ler as bulas de todos os medicamentos que tomava, e ele ficou sabendo todas as contra-indicações, advertências, precauções, reações adversas, efeitos colaterais e interacções médicas.

Leu coisas terríveis.  Não só poderia morrer mas poderia ter também arritmias ventriculares, sangramento anormal, náuseas, hipertensão, insuficiência renal, paralisia, cólicas abdominais, alterações do estado mental e um monte de coisas terríveis.

Com medo de morrer, chamou o médico, que disse para não se preocupar com essas coisas, porque os laboratórios só colocavam para se isentar de culpa.

- Calma, seu Tonico, não fique aflito, disse médico, enquanto prescrevia uma nova receita com um antidepressivo Sertralina com Rivotril 100 mg.  E como titio estava com dor  nas articulações deu Diclofenac.

Nessa altura, sempre que o meu tio recebia a aposentadoria, ia direto para a farmácia, onde já tinha sido eleito cliente VIP.

Chegou um momento em que o dia do pobre do meu tio Tonico não tinha horas suficientes para tomar todas as pílulas, portanto, já não dormia, apesar das cápsulas para a insônia que haviam sido prescritas. 
Ficou tão ruim que um dia, conforme já advertido nas bulas dos remédios, morreu!

No funeral tinha muita gente mas quem mais chorava era o farmacêutico.

Agora tia Marocas diz que felizmente mandou titio para o médico bem na hora, porque se não, com certeza, ele teria morrido antes.
 
Este e-mail é dedicado a todos os meus amigos, sejam eles médicos, farmacêuticos ou pacientes.

Qualquer semelhança com fatos reais será “pura coincidência”

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