sexta-feira, 8 de março de 2013

Curicaca



Nesta semana, já chegando no trevo em Santa Quitéria a caminho de Reriutaba, meu pai lembrou-se de seu cumpadre. Sempre o mesmo refrão quando percorremos esta rodovia:

 - O Cumpade Antônio Mororó me dizia que asfalto entre Santa Quitéria e Reriutaba só depois dele morrer. E agora taí, asfalto bom, menos de uma hora de viagem. Naquele tempo de Jeep nestas carroçais e ainda mais com as pedras do Trapiá, levávamos mais de 3 horas e ainda com prejuízo da descarga quebrada nas pontas de lajedo.

- Puxa, pai...toda vez a mesma história, falava-lhe sorrindo.

- O Cumpade Antônio Mororó guardava às vezes as mercadorias do Curicaca na sua oficina por favor ao velho mascate e ficava com medo da procedência das mesmas, apesar do Curicaca dizer que era da viúva.

- Pai, quando foi que o Curicaca morreu?

- Ah, acho que já faz mais de dez anos. Estava na calçada da farmácia do Assis e já caíu morto. Era um sujeito honesto, apesar da fama de vendedor esperto de bugingangas e tudo mais.

- Morte súbita? Coração? AVC?

- Acho que sim.

O João Carlos Pilão contava umas do velho Curicaca. Dizia que uma vez foi pego na Praça da Lagoinha em Fortaleza com umas mercadorias sem nota e a guarda municipal o deteve. Mas, com sua esperteza e facilidade em fazer amigos, o velho Curica conhecia um capitão que logo o acudiu.

Após solto, permitiram-lhe levar suas mercadorias apreendidas que não eram tantas.

- Pode dizer quais são suas coisas! Disse-lhe o guarda de plantão ao devolver o material apreendido.

- O Curicaca logo apontou: isto, isso, aquilo, aquilo acolá e tudo mais. Voltou a Reriutaba com o dobro do estoque.

Uma vez meu pai havia comprado uns chocalhos em Fortaleza para vender em seu comércio. Arrependeu-se, porque achava difícil revender aquele tipo de coisa. Lembrou-se logo do Curicaca para repassar pelo mesmo preço.

O Curicaca ofereceu logo na primeira esquina na mercearia do Seu Demazim ao que lhe retrucou:

- Onde foi que tu arrumou isso, nego sem-vergonha?

- Foi da viúva, é mercadoria limpa! No mesmo dia, meu pai recuperou o dinheiro empregado nos chocalhos e deu o lucro ao ambulante famoso da cidade.

Naquela época havia cerca de dez engraxates na cidade. O Curicaca era um deles, quando não se dispunha de quinquilharias para vender pelas ruas da cidade. 

Certa vez, o Curicaca se viu preocupado com o trabalho honesto. O Rubian era seu concunhado e tinha uma pequena fábrica de bolsas, malas e afins na capital. Confiou ao Curicaca a revenda de muitos produtos pela zona norte, principalmente Reriutaba. Numa semana revendeu tudo, deixando alguns produtos de sobra na oficina do seu Toim Mororó.

- Lulu, agora não posso tirar meu "sonim" na calçada da estação. Fico preocupado de alguém meter a mão no meu bolso e levar o apurado! Acabou-se minha tranquilidade! Vou deixar de vender muita coisa e ter muito dinheiro comigo! Prefiro vender as coisinhas da viúva.

Assim era nosso ambulante Curicaca que cheguei a conhecê-lo muito bem na década de 80 e sempre dizia quando uma coisa não era lá tão certa: “Meritri di Trorion!”  (corrijam-me se o termo era realmente este)

E foi em homenagem ao esperto vendedor que nosso saudoso Toim do Filemón, nosso Mestre Piru compôs a marchinha de carnaval reriutabense:

“A nossa irmandade não tem crente de verdade; ninguém mais quer ser ovelha, todo mundo só que ter carneiro para brincar na sua raça agora em fevereiro. Primeiro o Curicaca, segundo o Venceslau. Quero ver o pastor e a patota pulando o carnaval......E o Curica, Merichide Trorion..!!!! Na realidade a composição era bem mais rica, pois não mais a recordo.

Como não tenho uma foto do folclórico e saudoso Curicaca, resolvi postar a foto da ave que lhe deu nome: A curicaca é uma ciconiforme da família Threskiornithidae. Seu nome é onomatopeico, semelhante ao som de seu canto, composto de gritos fortes. Conhecida também como despertador no Pantanal, carucaca, curicaca-comum e curicaca-branca.



Homenagem ao engraxate Curicaca que sempre foi simpático com a criançada da época.



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