quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Doidos

HISTÓRIAS POR EMAIL

Esta mensagem me foi passada via email em outubro de 2010 por um grande amigo meu, Dr Lucídio Reinaldo, contando as personalidades doidas de sua terra, Teresina.

Esta história narrada por ele, retrata em seu contexto um pouco de carinho e alegria que temos por estas pessoas, em detrimento de seu comportamento e de sua saúde. Não se trata de gozação ou de menosprezo, mas sim de uma apologia à alegria que eles transmitem, independentemente de sua condição de sanidade. A eles também nosso respeito.

Segue então abaixo o texto que lhe redigi também contando sobre os doidos de Reriutaba. Após meus relatos, segue a história narrada pelo meu amigo Lucídio Reinaldo.


Caro amigo Lucídio, realmente nestes poucos minutos que li esta história dos doidos de Teresina, sua cidade natal, voltei a meu tempo de infância em Reriutaba. Engraçado como realmente havia muitos doidos naquela época.

Havia o Piano, um sujeito franzino e negro que era maltratado pelos meninos mais perversos. Queria ser jogador de futebol e sempre narrava: - Tostão passa a bola para Rivelino que passa para Piano e é Gooool do Brasil!

O Piano foi até queimado nas costas com um ferro de engomar. Que maldade!. Lembro também da "Caganeira", uma senhora de semblante pesado, rosto surrado pelo sol e também assustador principalmente para as crianças; ela com este nome horrível passava o dia inteiro juntando galhos, pedaços de lenha e coisa do tipo e, ao ser insultada, largava tudo e corria atrás da meninada. A Maria Zaú também era outra que se zangava com um simples olhar infantil.

Pelas calçadas da minha rua 25 de Setembro onde até hoje meus pais moram, estava lá a Dezoito. É até afilhada da mamãe, e acho que também de muita gente, porque a toda senhora era chama de madrinha. Ainda é viva e deve ter seus 60 anos. Hoje, me passando vez por outra por moleque, ainda pergunto-lhe quanto é nove mais nove...e então ela diz...- "Caba sem vergoin, vô dizer pá Madrinha...pensa que eu num sei qui tu tá me insultando"!!!

O Gerardim Doido, como assim é conhecido, era de uma família de boas pessoas, como se diz no interior. Diz ele que era motorista de lotação no Rio de Janeiro quando seu ônibus virou na década de 70. No acidente salvou 200 mulheres e 20 homens.....pense num ônibus lotado!!!! e grande!!!!!. Doido por mulher, nunca teve uma; apenas esfregava as duas mãos quando via uma moça passar e então perguntava se aceitava se casar com ele. Por onde passa levanta uma pedra e coloca no canto da rua para ninguém topar. Se alguém está sentado num meio fio ele diz:  -"Zequinha, cuidado porque aí pode ter uma cobra e vai te picar". Hoje a gente ver o quanto se fez e se faz maldade com o coitado do Gerardim Doido que já num tá tão mais novo, deve ter seus 65 anos, 70 anos por aí. Deram uma carteira de bolso a ele cheia de recortes dizendo que são documentos do sítio dele na Serra da Ibiapaba e que seu Padrim lhe deixou de herança. Hoje o Gerardim é dono da RFFSA (hoje privatizada com o nome de Transnordestina S/A). Para evitar que tomassem este patrimônio dele, as pessoas diziam que ele teria que zelar pela empresa e não deixar os trilhos enferrujarem. E por isso, o Gerardim já ficou o dia todo passando bombril na linha do trem que estava se oxidando.

 É também dono do Banco do Brasil: todo dia quer varrer a calçada da agência de Reriutaba (acho que agora ele parou mais com medo do assalto recentemente ocorrido). É dono de todo o rebanho da antiga novela 'Rei do Gado". Só não quer ser dono do cemitério. Morre de medo de almas. Um dia o finado Zé Taumaturgo perguntou se o Gerardim queria falar com a mãe dele que havia falecido. Na hora o Gerardim topou. Ficou esperando na cadeira preguiçosa da casa do seu Zé Taumaturgo e quando viu seu Zé todo de branco dizendo que era sua mãe dele, saíu em disparada correndo e derrubando tudo o que era de bibelô pela casa da Dona Geny Taumaturgo.

Ainda há uns que continuam a perambular pelas ruas da cidade; nem sei se realmente doidos são, porque às vezes temos também nossos momentos de loucura.

O Bagana, pessoa pacífica que é apaixonado por uma senhora da cidade e que sonha em ser aquele antigo jogador da seleção argentina, Burruchaga, passa a maior parte do tempo em sua casa. Aparece nas ruas da cidade em ponta de bares quando há um festejo da padroeira ou num comício político. Dança sozinho, canta o hino da Argentina (que só ele entende), grita pelo nome do prefeito e com sua cabeleira, se acha a pessoa mais bonita da cidade. Abaixo a foto complementa os atributos de nosso amigo Bagana:

Mas, nestas lembranças que permeiam nossas sadias demências, havia outros doidos que pacificamente e, às vezes não, conviviam diariamente conosco pelas esquinas do dia-a-dia do meu saudoso interior! Posto aqui uma foto de meu amigo e parente Zezim Porfírio:

Zezim Porfírio, este é até meu parente. Vive andando numa velha bicicleta pela cidade atrás de um trocado para tomar um trago de cachaça, mas se lhe der cerveja, aceita na hora. Não sei se realmente é doido. Sempre quis ser goleiro do Santa Cruz de Reriutaba


Esta é nossa querida Cirandinha. Como poderia chamá-la de doida, se ela é pura alegria?. Sempre foi vaidosa. Toda festa está lá a Cirandinha com seu novo traje. Nem precisa ser Carnaval que ela está toda enfeitada.

E, para não ficar fora desta listagem, seguem algumas doutros doidos:


Lucídio, um forte abraço, depois eu melhoro a narração para ficar pelo menos perto da sua que está muito bem escrita!
Luiz Lopes, 19/10/2010
  

De: LUCÍDIO Leitão Reinaldo Filho
Enviada: ter 19/10/2010 09:58
Para: LUIZ LOPES Silva Filho
Assunto: ENC: DOIDOS.
Amigo Luiz,
Para que você possa se lembrar dos seus. Impossível não ficar na memória as grandes personalidades, principalmente as mais autênticas como os "sem juízo".
Um forte abraço e um bom dia.
Lucídio Leitão.
  
"Nada te perturbe, nada te assuste, tudo passa. Deus nunca muda. A paciência  tudo alcança. Quem a Deus tem, nada lhe falta."


 Ju e Mazinha,
Agora a pouco estive pensando que no meu período de criança as cidades conviviam melhor com os seus doidos (dizem que de louco, todos temos um pouco), já que eles integravam e participavam do nosso dia-a-dia. Penso até que esse tipo de terapia seja o ideal e não a reclusão, o internamento, o isolamento da família e da sociedade, que hoje imagino ser adotado, já que quase não os vejo mais nas ruas; a não ser nós mesmos, os loucos do cotidiano urbano.
Fiquei aqui pensando nos “Doidos (?????) que Marcaram a Minha Infância”. Interessante! Foram muitos. Eita! Teresina véia de doidos. Será que tô no meio deles? Quem sabe!
Aí comecei a recordar de todos eles: Babau, Piunga, Pé de Pistola (outros o conhecia como Pé de Burro), Bibelô, Maria Chiquinha, Cumadinha (essa morou um tempo na casa dos meus Pais), Benidito Lava Carro, Manelão, Zé Emidio e até um Tio Segundo meu, que eu não o conheci (Tio Caio) e a bela Nicinha.
Afora a Cumadinha, a quem os meus pais chegaram a acolher e logicamente com quem eu convivi, outros em muito marcaram a minha infância, a exemplo do Manelão e da Nicinha.
Do Manelão, apesar de achá-lo engraçado, eu tinha medo.
Manel Avião, Manelão, avião, ão, ão. Vrummmmm. E lá se ia o Manelão conduzindo um avião imaginário na mão direita, que já, já, virava asa e, abrindo os braços em duas asas, Manelão era o próprio avião, que encantava os meninos que viam o Manelão como cena de cinema que ele fazia o voar na imaginação.
Manelão imitava um avião da segunda guerra, com suas rajadas de metralhadora. Manelão voava de verdade. E a lenda se espalhava na cidade. Na Piçarra, diziam, invadiu uma casa e roubou um rádio. Na localidade Palha de Arroz seduzia meninos e meninas, que as mães zelosas não deixavam chegar perto do avião. Podiam ser levadas pra longe e se perder na escuridão da noite.
Manelão um dia roubou, roubou não!; ele não era disso; se apossou das batinas dos padres capuchinhos, ainda hoje residentes próximo a casa da Mamãe, por conta dos padres terem se negado a celebrar uma missa em favor da alma de sua mãe.
A policia foi chamada. Manelão se refugiou na parte superior da Ponte Metálica do Rio Parnaíba, que liga Teresina a Timom, no Maranhão (ver foto abaixo).
             
Local onde o Manelão se refugiou.
Após cercado pelos policiais ele negociou a devolução das batinas mediante a promessa da celebração da tão desejada missa. Da missa nunca ouvi falar da sua realização, mas da surra da policia que o miserável levou, todos comentam.
Manelão contava histórias. Histórias de cinema que se passavam em Teresina. Não sei que fim levou. Um avião, com certeza, lhe levou embora...
A Nicinha se mostrava como uma figura popular conhecida por toda Teresina. Nicinha, já habitando o infinito, era uma figura tal e qual conhecida: sempre aparecia nos eventos importantes, vestida de forma extravagante, e palpitando sobre tudo. Sem ela Teresina já não é a mesma. Nicinha habitou a minha infância e juventude...
Nicinha, pequenina, enfeitava-se de fantasias de carnaval durante todo o ano. Todo dia, toda aglomeração, discurso político, conversa de bêbados, papo de vagabundos, qualquer ajuntamento de gente fazia aparecer o pipoqueiro, o sorveteiro e Nicinha. E aí vinha ela. Numa elegância exagerada, maquiagem intensa, óculos de gatinha, fita colorida no cabelo, vestido de tafetá azul celeste (abaixo uma foto dela em um dos carnavais de Teresina, acompanhada do jornalista/radialista Deusdeth, o conhecido Garrincha, pelo sua semelhança com o craque das pernas tortas).
Qualquer que fosse o dia do ano Nicinha vestia a fantasia da terça gorda do Carnaval. Me encantava a sua presença. Era a marca de que o que estava acontecendo tinha importância. A porta do Teatro 4 de Setembro, o Bar Carnaúba, a Praça Pedro II, o Café Avenida, eram lugares que só existiram pela presença de Nicinha.
Me contaram que teve uma morte violenta com requintes de crueldade. E o criminoso nunca foi encontrado. Quem poderia fazer mal a um beija-flor tão bonito? Mas na minha infância tinha menino que engolia coração de beija-flor pra ficar guabes. Guabes, pra quem não conhece piauiês, é ficar com boa pontaria na baladeira. Baladeira, um piauiês tão bonito, é estilingue ou bodoque noutras pronúncias. E Nicinha e o beija-flor nunca fizeram mal a ninguém, mas morreram do mesmo jeito...
Alfim, para minha surpresa, recentemente tomei conhecimento de que, na minha Teresina, dentro do programa do PAC, encontra-se sendo construído um Conjunto Habitacional, batizado de RESIDENCIAL JACINTA ANDRADE (maior obra no Brasil dentro do MINHA CASA, MINHA VIDA), em homenagem a militante do Movimento Popular de Teresina. Ela defendia as famílias de baixa renda, até ser assassinada pelo seu namorado, e ali se decidiu que as ruas teriam nomes de mulheres reconhecidas no Brasil e no Piauí, dentre elas a minha “BELA NICINHA”.
Vale resaltar que, no processo de escolha dos nomes se teve o cuidado de escolher mulheres que de alguma forma lutaram e marcaram suas vidas por ideais, convicções e sonharam com um Brasil melhor. São mulheres negras, brancas, índias, jovens e da terceira idade que se destacaram na música, poesia, jornalismo, feminismo, abolicionismo, sindicalismo, combate ao racismo, luta sufragista, reforma agrária e direitos humanos
Abaixo segue a lista com alguns dos nomes das ruas:
Três Avenidas:
1. CORA CORALINA
2. FRANCISCA TRINDADE (será a avenida principal)
3. TARSILA DO AMARAL
Vinte e duas ruas:
1. ALZIRA SORIANO - Luísa Alzira Teixeira de Vasconcelos
2. AMÉLIA BEVILÁQUA – Amélia Carolina de Freitas Beviláqua, Piauí
3. ANTÔNIA FLOR – Antônia Maria da Conceição, Piauí
4. BETH LOBO – Elisabeth de Sousa Lobo Garcia
5. BERTHA LUTZ – Bertha Maria Julia Lutz
6. CELINA VIANA – Celina Guimarães Viana, primeira eleitora brasileira
7. CLARA NUNES
8. CLARA CAMARÃO – Clara Felipa Camarão
9. CLEMENTINA DE JESUS
10. CHICA DA SILVA – Francisca da Silva, escrava forra mítica
11. CHIQUINHA GONZAGA – Francisca Edwiges Gonzaga
12. DOS ANJOS - Maria dos Anjos Sousa Brito – Piauí.
13. ESPERANÇA GARCIA – Negra e escrava famosa, Piauí
14. JOVITA FEITOSA – Jovita Alves Feitosa, Piauí.
15. LEOLINDA DALTRO – Leolinda de Figueiredo Daltro
16. MARIA BONITA – Maria Gomes de Oliveira
17. NICINHA DE ALMEIDA – Leonice Ribeiro de Almeida, Rainha dos Carnavais, Piauí. 18. PATRÍCIA GALVÃO-PAGU – Patrícia Redher Galvão.
19. SANTINHA – Maria dos Santos Rodrigues, Piauí.
20. TELMA CORDEIRO – Telma Regina Cordeiro Correia.
21. ZILDA ARNS – Zilda Arns Neuman
22. ZUZU ANGEL – Zuleika Angel Jones
É isso! Os doidos, ou os mais ajuizados do que nós imaginamos, marcando às nossas vidas.
“Creio até que, eles, os Doidos, estão mais próximos da fonte eterna Divina, e por consequência felizes”. Então, com esse sentimento dos “Doidos”, com atitudes altruístas, benevolente e de amor ao próximo, vivenciemos um pouco a paz que Jesus nos ensinou, pois isso se constitui riqueza espiritual que enche nossa alma de alegria.
Que Deus ilumine nossos caminhos e nos guie sempre. Para isso, que nossos pensamentos, palavras e atitudes estejam sempre conectadas a Ele.
Um forte abraço e “VIVA OS DOIDOS”.
LUCÍDIO LEITÃO.




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